Você gosta de histórias de terror? Em nosso conto de hoje saiba o que aconteceu com um jovem casal que decidiu visitar as ruínas do castelo do Drácula.
Ruínas
Depois da guerra, havia restado pouca coisa daquele lado do vilarejo. Lupita tentava consultar o GPS, mas a internet tinha parado de funcionar há algumas horas; mesmo assim ela seguia em frente, empolgada pela aventura.
Atrás dela, Gianina tossiu, como se quisesse que notasse sua presença.
– Acho que a gente devia voltar. Não tem nada aqui. Parece que não passa ninguém nessa rua há dezenas de anos.
Lupita se virou e deu um sorriso encorajador para a namorada.
– Essa é a graça. Por que vamos ver exatamente as mesmas coisas que os turistas visitam todos os dias se podemos encontrar algo novo?
– Não estou gostando disso – Gianina insistiu. – Estamos a centenas de quilômetros de casa, não conhecemos ninguém aqui e estamos indo por um caminho que o nosso guia disse para não passarmos, e se a gente precisar de ajuda?
– Não seja medrosa, não vai acontecer nada. Você tem que relaxar e curtir a paisagem, vai ser uma aventura totalmente sem riscos.
Gianina respirou fundo e concordou com um sussurro quase inaudível. Lupita segurou a mão da moça e a trouxe para baixo de uma árvore, ao lado da estrada.
– Você está cansada, não é? Então, vamos sentar um pouco, comer alguma coisa, tomar água e continuar.
Gianina concordou com isso também, estava tentando se convencer de que seu medo não tinha fundamento. Não queria ser aquele tipo de pessoa paranoica que estraga os passeios, e foi por isso que não mencionou o fato de que a noite se aproximava.
Fazia bastante frio, e alguém que passasse pela estrada não seria capaz de perceber muitas características das duas mulheres; ambas usavam casacos grossos e longos, toucas que cobriam o cabelo totalmente, luvas e botas.
A estrada era de terra e ia afunilando lentamente à medida em que avançava por uma leve subida. Um mato alto crescia ao redor, e algumas árvores pequenas surgiam, espaçadas.
Quando olhavam para trás, elas ainda podiam ver o vilarejo de onde tinham vindo, meio escondido entre uma formação montanhosa. As primeiras luzes começaram a ser acesas, gerando uma imagem bonita para apreciar ao pôr-do-sol.
– Dizem que tinha um castelo por aqui – Lupita falou, de repente. – Ele foi destruído durante a guerra.
– E por que não o reconstruíram? Seria um ótimo lugar para passar a noite – Gianina perguntou, pensando em como aquele lugar ficaria totalmente escuro em poucos minutos. Os últimos raios de sol morriam e as árvores e o mato transformavam-se em vultos escuros. Não se ouvia um único animal.
Lupita não respondeu à pergunta, fez que não tinha escutado e passou a observar as estrelas que brotavam pelo céu sem parar.
– Pelo menos aqui é um ótimo lugar para apreciar a noite.
– Você sabe por que não reconstruíram o castelo? – Gianina insistiu.
– Dizem que ele era mal-assombrado – Lupita deu uma gargalhada, mostrando que não era uma história para se levar a sério.
– Quem te disse isso? – Gianina não queria demonstrar medo. Ela adorava histórias de terror, mas preferia ouvi-las quando estava segura e aquecida no conforto de seu lar.
– A mulher do bar estava contando no dia em que a gente chegou. Dizem que há muito tempo morava no castelo uma criatura, algum tipo de ser sobrenatural que atacava pessoas para se alimentar. Ninguém mais o viu depois da guerra, mas as pessoas continuavam a morrer quando visitavam as ruínas do castelo, como se ele tivesse deixado uma maldição nessas terras.
Gianina sentiu um calafrio e encolheu-se contra a árvore, a namorada tentou acalmá-la.
– É claro que isso deve ser uma lenda, provavelmente o governo não quis reconstruir o castelo porque não era lucrativo. Agora, vamos continuar.
Estava muito mais escuro e frio, o casal jogou as mochilas nas costas e voltou a caminhar lado a lado, cada uma pegou sua lanterna para ajudar a iluminar o caminho.
Mais alguns minutos e a escuridão se fez completa, não era possível ver qualquer coisa nas laterais da estrada. Até as silhuetas das árvores tinham se perdido na escuridão. As lanternas iluminavam poucos metros à frente, lutando contra o breu e revelando com dificuldade metro após metro do terreno pedregoso.
Gianina apertou a mão da namorada, pouco antes de tropeçar em uma pedra maior, desequilibrar-se e bater o joelho no chão. Ela deu um grito que soou estrondoso no silêncio mortal. Lupita a ajudou a levantar-se, preocupada.
– Você se machucou?
– Não, mas acho que já chega. Eu não estou com medo, mas está muito escuro. Esse lugar é perigoso, pode ter poços abertos e sei lá mais o quê. Talvez a gente volte amanhã, bem cedo.
Lupita suspirou e a namorada não conseguia ver seu rosto, mas sentia sua decepção.
– Lu, eu sei que você gosta dessas coisas malucas, mas simplesmente não é pra mim. Não quero esse tipo de adrenalina. Não queria atrapalhar sua aventura, mas tenho de confessar que estou morta de medo.
– Tudo bem, achei que quando estivesse aqui você entraria no clima. Talvez, a gente volte com mais pessoas, aí você vai se sentir mais segura.
Antes de ir, Lupita apontou a lanterna para o terreno diante dela, como um sinal de despedida, pensando em toda a aventura que o lugar escondia. Poucos metros a frente, em uma árvore na lateral da estrada, havia uma pequena placa de metal pendurada por uma corrente, esquecida e quase caindo. Em outros tempos, devia ter ficado no centro da estrada, demarcando a entrada da propriedade.
– Acho que chegamos – Lupita falou, cheia de empolgação.
A resposta de Gianina foi um suspiro de lamento.
– Ótimo, agora temos certeza do caminho e poderemos voltar amanhã, quando for dia.
– Só mais alguns metros, Gi, por favor, vamos ver de longe o que resta do castelo e aí voltamos. Você está com medo de que? A noite está tranquila e não tem nada aqui pra nos machucar.
Gianina apontou sua lanterna na direção da placa. O tempo havia apagado as inscrições.
– Mais cem passos. Se não encontrarmos nada, vamos embora.
– Tudo bem.
A estrada havia se transformado em uma pequena trilha, e as duas seguiram de mãos dadas, contando os passos em voz alta. Não foi preciso chegar ao número 100, quando tinham dado 55 passos e levantaram as lanternas para ver mais longe, puderam observar o lugar em que antes houvera um grande castelo.
Ao fundo havia sobrevivido uma parede, com diversas aberturas de onde grandes blocos de tijolos haviam caído. Do lado esquerdo, estavam os restos de uma torre, onde não havia mais telhado e a estrutura estava cheia de buracos e perigosamente inclinada para a direita, pronta para desabar na próxima ventania.
Uma árvore havia crescido no meio do hall de entrada.
Gianina ficou tão surpresa por realmente encontrar algo que continuou a avançar, lentamente, ao lado da namorada, tomada pelo choque e esquecendo-se do medo. Quando chegaram mais perto viram que plantas cresciam nas paredes e no chão. Havia restos de pedra e vidraças espalhados por todo lado. Em um canto havia uma gárgula quebrada que tinha a forma de um gigantesco morcego.
Atrás da parede que viram ao longe, havia outro pavilhão, muito mais conservado, onde ainda via-se vestígios de todas as paredes principais e de algumas do interior. Até uma grande mesa de madeira estava esquecida ali.
Lupita apontava a lanterna em todas as direções, afoita por extrair a maior quantidade de informações do ambiente. Ela viu um quadro em uma das paredes. Ele era velho e tinha partes chamuscadas, em sua parte visível havia a imagem de um homem elegante e triste.
Gianina ficou muito impressionada com o lugar no início, mas quanto mais avançava mais perdia o interesse, e o medo da escuridão voltava a dominá-la. Não tinha nada para se ver ali além de paredes prestes a desabar e objetos quebrados.
– Chega, Lu, já foi o bastante. Vamos embora.
Um vento gelado soprava e a temperatura devia estar perto de zero.
– Agora sei porque as pessoas contam tantas histórias sobre esse lugar. Devia ser um castelo assustador muito antes da guerra.
– Vamos, logo – Gianina insistiu.
Lupita concordou, mas foi deixando o lugar lentamente, fazendo voltas maiores do que precisava e aproveitando para observar outros detalhes. Havia restos de um sofá queimado perto da parede. Alguns degraus foi tudo o que sobrou de uma imponente escada que levava a um segundo andar que já não existia.
Lupita apontou a lanterna para o alto, até onde as paredes iam, tentando criar uma imagem mental do que teria sido o lugar em seus tempos áureos. Distraída, acabou pisando em uma estrutura de madeira que cedeu com o seu peso, fazendo-a cair com um estrondo em um cômodo subterrâneo. Ela bateu com a cabeça, seu tornozelo se quebrou e um osso saltou para fora. A lanterna abriu-se e as pilhas rolaram para lados opostos.
Gianina ficou petrificada vendo a namorada desaparecer sob o chão traiçoeiro. Diante do susto, ela não conseguiu reagir e ficou congelada, apontando a lanterna para o local exato, em uma esperança tola de que a namorada iria simplesmente levantar-se, bater a poeira da roupa e dizer que estava tudo bem.
Mas Lupita não emitiu nenhum som por muito tempo, o que obrigou Gianina a forçar-se a caminhar até o buraco. Com cuidado, e temendo que o resto da madeira cedesse e ela também caísse lá dentro, Gianina deitou-se devagar e colocou o rosto na direção do buraco. Ela apontou a lanterna para dentro temendo o que iria encontrar.
Era uma pequena sala, com várias prateleiras nas paredes, ocupadas por livros velhos e vasos com desenhos estranhos.
No centro havia um caixão escuro, aberto e apoiado em um tripé. Dentro dele descansava uma criatura mumificada, e em um impressionante estado de conservação.
E no chão, ao lado do caixão, Lupita estava desacordada.
– Lu – Gianina chamou baixinho, como se temesse que o mais suave som fosse acordar a criatura.
Lupita mexeu-se, com alguns gemidos de dor ela tentou levantar-se, mas percebeu que seu tornozelo estava seriamente machucado e ela não conseguiria sair dali. Ela olhou para o alto, a luz ofuscante da lanterna a impedia de ver o rosto da namorada.
– Gianina, me desculpe. Você tinha razão, a gente não devia ter vindo. Acho que o meu pé está quebrado e… – Lupita começou a chorar e a soluçar alto.
Lá em cima, Gianina tremia muito, de frio e de medo, mesmo assim tentou acalmar a namorada:
– Tudo bem, tudo bem. Você tinha razão, não tem nada aqui que possa nos fazer mal, você apenas caiu em uma sala. Olha se consegue encontrar uma porta.
Lupita olhou ao redor, mas sem sua lanterna e sem conseguir andar, não podia enxergar com clareza os cantos do cômodo.
– Eu não consigo, eu não consigo…
– Tudo bem, respira fundo e fica calma. Eu vou procurar a entrada da sala, deve ter alguma escadaria que vai até aí.
– Está bem, por favor, Gi, vai depressa.
Gianina preparou-se para levantar, mas em um momento de curiosidade ou para descartar um medo que martelava no fundo de sua mente, ela apontou a lanterna novamente para dentro do caixão. A criatura, mumificada e tão bem conservada que causava arrepios e sobre a qual tinha observado tantos detalhes, não estava mais lá. O caixão estava vazio, revelando seu fundo de um branco encardido.
Ela deu um grito rápido e tapou a boca. Lupita ficou desesperada lá embaixo.
– O que foi? O que foi? Você viu alguma coisa?
– Não, eu achei que tinha visto, mas deve ser porque estou assustada. Acho que comecei a imaginar coisas, só pode ser isso.
Gianina respirou fundo, e tentou se convencer sinceramente que o caixão estava vazio desde o início. Ela se levantou, meio atrapalhada, quase deixou a lanterna cair e olhou em volta. Agora, cada parede que restara de pé parecia esconder algum perigo. O silêncio reinava na noite e ela tentou imaginar onde estaria a entrada daquele cômodo estranho.
De repente, ouviu-se a voz apavorada de Lupita, sussurrando lá embaixo:
– Gianina…
– O que foi, o que foi? – perguntou ela, apontando a lanterna para dentro do buraco.
– Tem alguém aqui. – Lupita, sempre tão corajosa e aventureira, mal conseguia falar e chorava como uma criança assustada.
– Não tem não, só nós duas.
– Não, tem alguém respirando do outro lado do quarto, eu estou ouvindo, por favor, me tire daqui.
Gianina tremia e mal conseguia pensar, mas falou:
– Não tem ninguém aí, você está imaginando coisas porque se machucou na queda. Mas, tudo bem, a gente tem materiais de escalada, não é?
– Sim, estão na sua mochila.
– Então, eu vou pegar uma corda e te tirar daí rapidinho.
Gianina ergueu-se, tirou a mochila das costas, apoiou a lanterna na borda do buraco e começou a procurar os materiais, o mais rápido que suas mãos trêmulas conseguiam. Encontrou a corda e a estava tirando da mochila quando ouviu o clique familiar do acionamento do botão de sua lanterna. Ela se apagou e a escuridão da noite devorou tudo.
As duas mulheres começaram a gritar e a chorar. Gianina apalpou ao redor procurando a lanterna, mas alguém a tinha pego.
– O que você está fazendo, por que apagou a lanterna? – Lupita gritou.
– Eu não apaguei nada, eu não fiz nada – Gianina tremia tanto que acabou cortando a mão em um pedaço de madeira. Seu sangue caiu no rosto da namorada. Elas não conseguiam se ver, apenas ouviam os sons de desespero que emitiam.
Gianina apertava a mão ferida. Foi por isso que não teve nenhuma chance de reagir quando duas mãos fortes a empurraram pelas costas. Ela caiu sobre a namorada. Com o choque ambas desmaiaram e não puderam ver a criatura que desceu atrás delas.
Os corpos de Gianina e Lupita foram encontrados dois dias depois. A notícia oficial que começou a circular é que as duas tinham se acidentado nas ruínas do castelo e morrido de hemorragia sem ter ninguém para ajudá-las. Mas, aqueles que viviam na cidade há muito tempo e a quem os jornais não davam voz, sabiam que não era isso o que tinha acontecido.
Se você chegou aqui, aposto que ama histórias de terror. Então, aproveite para ler também A Sombra.
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